sexta-feira, 18 de março de 2011

Uma covardia.


Abriu um sorriso quando viu mais uma boneca em sua cama. Com apenas oito anos, a pequena Nina, sentia-se abençoada pelo padrasto que Deus tinha concebido em sua vida.
Seu pai falecera quando ainda muito nova, nem sequer lembrava de seu rosto. Sua mãe, Antônia, era uma mulher bonita, bem vestida e bem sucedida. Atraía muitos olhares e por onde passava tirava atenção e susurros de homens e mulheres invejosas.
A vida de Nina era como a de qualquer outra menina que tinha sua idade e uma família como a sua. Estudava em uma das melhores escolinhas da cidade, era a mais elogiada e aplicada da turma. Aos finais de semana Nina ia para a casa de seus avós maternos, em um sítio. Era lá que Nina se libertava ainda mais. Corria atrás das galinhas, pegava seus ovos no galinheiro, andava a cavalo, subia em arvóres, caía das arvóres, ria a cada tombo, à noite sentia o seu corpo latejar por conta de cada queda, até atrás das vacas Nina corria e logo em seguida corria delas. Uma vida perfeita, com uma família perfeita, em lugares perfeitos.
As últimas semanas tinham sido gloriosas para Nina. Seu padrasto, Humberto, deixava em sua cama bonecas. Cada uma com cabelos, vestidos, cantorias diferentes. Nina adorava. Adorava ainda mais o jeito de Humberto. Olhos claros contrastando com seus cabelos escuros, sorriso longo e brilhante, corpo robusto, mãos grandes e assustadoras, mas que nunca, até aquele momento, tinham tocado na menina frágil e inocente.
E a cada semana um agrado diferente:doces, brinquedos de diferentes e inimagináveis tipos, roupas, calçados, passeios. Aquilo tinha se tornado muito melhor do que estar no imenso sítio de seus avós.
Em um certo dia, Antônia se recusou a mais um passeio daqueles.
- Ir ao parque, sentar em um banco velho e sujo de areia, areia essa que chega aos nossos olhos jogada por aqueles garotos sem educação. Eu não vou. - Resmungava a mãe.
Nina implorava, dizia que sem ela não teria graça, chorava, emburrava, fazia cara feia, mas naquele exato (maldito) dia, sua mãe não arredou o pé de casa. Mesmo assim, Nina e Humberto foram, a menininha cabisbaixa, sentindo a falta da mãe em mais um passei divertido e Humberto estranhamente feliz, com um sorriso mais longo do que o natural, mas esse fato passou despercebido pelos olhos de Nina que apenas olhava pela janela do carro. Foi então que viu passar o parque que sempre visitavam, deu um pulo.
- Você nao viu o parque? Já passamos. - Nina balbuciou com uma voz trêmula por conta das lágrimas que havia derramado para sua mãe.
- Hoje eu vou te levar em um lugar melhor,minha princesa.
Aquela não era a voz que Nina ouvia quando agradecia por mais uma boneca e ele dizia que ela merecia muito mais. Estava mais grossa e firme, acompanhada de um olhar nunca visto, algo totalmento novo. E isso assustou a menina que naquele momento achou que era melhor ter ficado com sua mãe.
- Não quero ir, quero a minha mãe. Não com vontade de conhecer lugares novos, ainda mais sem ela. Por favor, vamos ... - Foi interrompida por um grito que quase a surdou.
- Vamos para onde eu quiser, garota. Sua mãe, sua mãe, sua mãe, eu existo você não vê? Ajudo em tudo que você precisa. Compro o que quiser, faço sempre seus desejos, você não sabe reconhecer?
Nesse momento, Humberto, furioso, já havia parado o carro em uma rua por onde não se via ninguém, não se ouvia nada, só ele berrando feito louco enquanto as lágrimas de Nina começavam a manchar seu belo rosto pela segunda vez naquele dia.
E ele continuo a falar, mas dessa vez, não tão alto, enquanto tirava o cinto de segurança e aproveitava para tirar seu outro cinto, pulou pro banco de trás e fez a mesma coisa com o da menina assustada e trêmula.
- O que tá fazendo? Onde estamos? Quero ir embora, ir embora!
Nina já não conseguia pensar, aquele não era seu padrasto, ele estava completamente fora de si, suava, sorria, gritava e Nina não compreendia nada. Ele tirou sua blusinha rosa com decorações de Barbies, Nina tentava de alguma forma interceder naquilo, não tinha forças. Então tirou seu short jeans e estiloso, suas sandálias. Apalpou-a. Nina tremeu ainda mais. Dessa vez foi ela quem começou a berrar. Tão inteligente que era, o que deixou passar? Começou a entender os motivos dos presentes, das gratidões enquanto lembrava e se arrependia de um dia ter agradecido a Deus pela existência daquele homem.
Ele a maltratou da forma mais cruel que alguém pode maltratar uma criança. E por algum tempo a menina ficou ali, gritando de dor e pensando no quanto aquilo mudaria a sua vida.
 

- DIGA NÃO A PEDOFILIA. UMA COVARDIA!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Você em mim.

Então lembrei dos beijos ardentes, dos lábios entrelaçados, das línguas visitando cada canto da boca. Lembrei dos dias de glória, dos dias em que saíamos e brincávamos no parque feito crianças e com as crianças. Recordei da nossa primeira noite de amor, daquele quarto lindo, com rosas, com velas, cheiros bons, músicas românticas, como em um filme, uma novela, uma minissérie, algo que não fosse a realidade.
E por fim me lembrei também da nossa despedida. E quão triste foi essa despedida. Tão triste que nem me recordo de detalhes. Acho que me fiz esquecer. Não sei. Não sei nem mais se teve despedida. Teve? Alguém aí pode me ajudar? Acho que não. Ninguém pode, ninguém nunca pôde. Nunca conseguirão arrancar a dor que me aperta o peito, as inconsequências que esse amor me trouxe. Mas não tirarão também as lembranças que passam em minha mente como em uma série de tevê. O seu cheiro continua impregnado em meus lençois. Os lençois que ainda não foram lavados, os mesmos que me agarro toda noite, os mesmos que secam minhas lágrimas que insitem em molhar a face.
Ainda escuto seus passos vindo em minha direção. Ainda sinto teus braços quando abraço alguém.  Ainda lembro do teu sorriso brilhante e acolhedor que parecia me chamar para viver intensamente.
Como você se foi ? Olhou para trás ? Sente minha falta? Eu sinto, sinto, sinto e continuo a sentir você em mim.

domingo, 6 de março de 2011

Inevitável.

Foi até a janela. Não encontrou nada que agradasse a sua vista.
July andava cabisbaixa. Sua mãe não tinha mais ideias para tentar animá-la. Fizera festa, comemorações sem razões, mas nada alegrava a pobre moça de 16 anos.
Mulata, cabelos lisos e curtos -July achava melhor por causa do calor-, olhos negros e, agora, profundos, com olheiras visíveis e marcantes.
A moça passava horas e horas com o olhar fixo em um só canto, que às vezes chegava a assustar a sua mãe, que enconstava em July e balançava a menina, pensando que talvez ela estivesse morta. (Tão ingênua a pobre mulher).
July via-se perdida, sem motivos para continuar vivendo. Pensava em acabar com todos aqueles dias que apareciam sem o sol, acabar com aquela chuva que não lavava a sua alma. July andava desesperada, com a cabeça latejando e sem remédios que a curasse.
Já tinha ido ao hospital, por insistência da mãe. O médico por sua vez, disse que a moça tinha saúde melhor do que a de muitas pessoas.
A mãe a cada dia preocupava-se mais.
A moça não comia, não saía, não levantava da cama.
Em uma certa noite, a mãe foi acordada com os gritos da sua filha.
"JOOOOORGE, NÃO VÁ." - Berrava July.
A mãe então, ficou ali estática, tentando lembrar quem era Jorge. E a moça continuava:
" Jorge, eu te amo tanto. Por que você me deixou? Volta, volta, Jorge. Não ..."
Os berros foram trocados por sussurros quase inaudíveis. A mãe caiu nos seus pensamentos, não mais ouviu a moça e pouco a pouco foi juntando as peças.
Jorge era um rapaz de 18 anos. Neto da vizinha. Tinha vindo passar férias na cidadezinha. Cursava Engenharia Civil na cidade grande. Há meses tinha ido embora. Então, ele era o motivo da depressão de sua pobre filha? O que ele fez para que July ficasse daquele jeito?


- A mãe de July nunca tinha sentido o amor aflorar e com isso não tinha sido amada também. O pai da moça tinha sumido no mundo. Foi o único homem daquela infeliz mulher. Foi só uma noite. Ele só queria um prazer. July veio junto com esse deleite, mas a sua mãe nem sabe por onde anda seu pai.
Por esse motivo, ela nunca descobriria o que tinha a sua filha.
Como pode uma pessoa viver sem o amor?
Como pode alguém nunca querer morrer por causa dele?
Certo de que esse nem sempre faz bem, como não fez a July, mas não senti-lo nunca é como se vivessemos sem o ar. É inevitável.