Lanis passou sua primeira noite acordada, pensando o quanto
sua vida poderia ter sido diferente. Tentou imaginar o rumo que Jhon tinha
tomado sem a presença dela. Bem, deve ter
firmado namoro com Anne, talvez.
Quase ao amanhecer, Lanis ouviu barulhos vindos do quarto de
seus pais. Levantou-se para ver o que acontecia. Ao abrir a porta, encontrou
sua mãe debruçada em seu pai, com a cabeça para fora da cama, vomitando sem
parar. No primeiro momento ela não soube o que dizer e achou que sua mãe
poderia ter comido alguma coisa que havia feito mal. Foram alguns minutos
observando aquela cena que a deixou chocada devido a palidez e suor presentes
na face da mãe. Percebeu o cansaço da
mulher que se deixou cair na cama enquanto os enjoos cessavam, foi aí que a moça
conseguiu dizer alguma coisa:
- Pai, o que está acontecendo? A mamãe está bem?
- Acho que precisamos conversar, Lanis. – Respondeu sem
olhar para o rosto da filha.
Pai e filha sairam do quarto enquanto a mãe descansava. O
dia começava a clarear ao contrário da mente de Lanis que estava escura e
confusa.
O pai começou as explicações:
- Querida, após alguns meses depois de sua partida, sua mãe
começou a sentir dores de cabeça fortes que a deixavam tonta e enjoada por dias
seguidos. No início achamos ser um distúrbio hormonal por conta do começo da
menopausa e sua mãe se recusou procurar um médico. Mas as dores não cessavam e
as tonturas começaram a provocar desmaios. Eu insisti para que ela fosse ao
médico e assim ela fez. – Lanis sentiu a voz entrecortada do pai e percebeu a
gravidade da situação. Ele então continuou:
- Depois de uma série de exames, nosso médico, o doutor
Bruce, lembra-se dele?
- Sim, papai. Mas diga o que a mamãe tem. – Lanis já sentia
o coração disparar pelo medo da resposta.
- O doutor Bruce nos deu o pior diagnóstico possível, Lanis.
Era a única coisa que eu nunca quis ouvir em toda a vida. – O pai não se
conteve e caiu em lágrimas antes mesmo de prosseguir a conversa.
- Papai, a mamãe está morrendo? É isso? Eu não posso
acreditar que vocês me esconderam isso por tanto tempo! Eu podia ter voltado
antes, eu podia ter ajudado. Isso não é justo, pai! – Lanis deixou-se cair no
sofá e chorou mais ainda com o abraço inesperado de seu pai. Permaneceram assim
por um longo tempo, um chorando no ombro do outro.
No decorrer do dia, o pai de Lanis foi explicando melhor a
situação de sua mãe. Ela estava com um tumor maligno no cerebro e não havia
mais nada a ser feito, uma vez que a cirurgia era de alto risco e não garantia
melhoras em seu resultado. O doutor Bruce havia determinado mais uns 3 a 4 anos
de vida para a mãe de Lanis, aquele era o terceiro ano e as crises de dores,
tonturas, enjoos só pioravam. Ela havia emagrecido e perdera o apetite.
Lanis sofreu ainda mais com essa notícia e culpou-se mais
uma vez por ter tomado uma decisão daquela aos 18 anos. Não havia mais o que
fazer pela sua mãe, não havia como recuperar o tempo perdido. Sentiu-se perdida
mais uma vez. Decidiu que dali para frente, sua vida seria dedicada ao pouco
tempo de vida que sua mãe tinha.
Lanis começou a levar a mãe ao médico, a preparar as
refeições, limpar a casa. Deu início a uma relação de mãe e filha que elas não
possuíam há anos. Fez um relatório de perguntas para sua mãe, com o intuito de
conhecê-la melhor. Leu livros enquanto a pobre senhora descansava. Passou
noites acordada ao lado da mãe quando ela estava em crises. Foi a filha que
sempre deveria ter sido: atenciosa, carinhosa e compreensiva!
Os meses passaram depressa e mais depressa foi o declínio da
saúde da mãe de Lanis. Agora estava magra de dar dó e quase não comia mais
alimentos sólidos devido aos enjoos frequentes.
Em uma dia de suas piores crises, recusou-se em ir para o
hospital e fez um pedido a Lanis e o marido:
- Quero pedir a vocês que não me impeçam de morrer. Vejam
meu sofrimento e não queiram me ver sofrer mais. Quando chegar minha hora,
deixe-me ir. Saibam que esse é o meu maior desejo.
- Mamãe,que conversa é essa? Pare com essas besteiras ...
- Lanis, querida. Você é a filha que qualquer mãe queria
ter. Eu prometo que nunca vou abandonar você novamente.
- Fui eu quem te abandonei, mamãe. Por favor, me perdoa!
Lanis sentiu o nó na garganta e não conseguiu se conter,
deitou no colo da mãe e foi capaz de sentir as costelas da mulher. Os dedos de
sua mãe entranharam os cabelos da filha em um movimento lento. Aquele era o
melhor carinho que Lanis poderia receber.
- Não sei se conseguimos recuperar o nosso tempo perdido,
filha. Mas eu sempre vou estar presente em tua vida, mesmo que seja em um raio
de sol irradiando o teu olhar. Serei a luz presente em teu mundo. Não se deixe
entristecer. Eu te amo mais que tudo na vida.
Lanis não pode responder àquilo e continuou agarrada a
frágil mulher. Olhou para seu pai e viu as lágrimas que também escorriam sem cessar.
A mãe de Lanis faleceu duas semanas após em uma noite
tranquila. O velório foi na igreja em que a família frequentava. Era um dia
chuvoso. Não foram muitas pessoas que compareceram, mas as poucas que vieram
demonstraram-se surpresas com a morte da mãe de Lanis, pois a família havia
sido discreta em relação a doença.
Pai e filha passaram todo o velório de mãos dadas e no fim
do dia, no mesmo sofá em que se sentaram na primeira conversa sobre a doença da
mãe, choraram mais uma vez abraçados.
- Agora somos só nós dois, filha. – Disse o pai, após
soltar-se dos braços de Lanis.
Nesse momento, encerrando o dia nublado, um raio de sol
entrou pela janela e irradiou os olhos de Lanis. Ela sorriu graciosa e disse:
- Não, papai. A mamãe está aqui. Nunca estaremos sozinhos!
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